Review: filme sobre Baggio é ‘pastelão’ em cenas de futebol, mas impressiona no retrô

Review filme Divino Baggio

Desde 26 de maio de 2021, os assinantes da Netflix passaram a ter disponível no catálogo o filme Il Divin Codino. Em tradução livre, se lê “O Divino Rabo de Cavalo”. Na plataforma, porém, a obra foi rebatizada de O Divino Baggio.

Na altura da divulgação dos primeiros trailers do filme, muitos chegaram a pensar que se tratava de um documentário. Especialmente pelas imagens do próprio jogador italiano que, na realidade, não eram dele.

Sim, trata-se de uma cinebiografia, que conta a história completa da carreira de Baggio, na qual atores interpretaram personagens da vida real. No caso do protagonista, Andrea Arcangeli foi o responsável por reviver o camisa 10 no cinema. Ou no streaming. Como queira.

Dito isso, é desnecessário alertar sobre spoilers a partir daqui, mas sinta-se avisado mesmo assim. Sim, Baggio perde o pênalti contra o Brasil na Copa de 1994.

Logo de cara, aqueles – como eu – que já viram qualquer tentativa de reprodução de um jogo de futebol no cinema, nos desenhos, na dramaturgia em si, torceram o nariz. Até hoje, opino com tranquilidade e afirmo que nunca houve um trabalho decente no ramo. E a “culpa”, se houver, não é de nenhum profissional envolvido nessas obras.

Diferentemente do boxe, do futebol americano e de outros esportes, é praticamente impossível filmar uma partida de futebol “ensaiada”, de modo que se pareça real. E o filme sobre Baggio ganha alguns pontos nisso. Sobretudo porque, em momentos históricos e fundamentais, há uma junção de imagens reais e refilmadas.

Mas comecemos do começo.

Andrea Arcangeli e Roberto Baggio - filme Divino Baggio
Andrea Arcangeli, intérprete de Baggio no filme, e o próprio Roberto (Corriere Nazionale)

À primeira vista, pode ser difícil de enxergar Baggio nas feições do ator Arcangeli. Contudo, o trabalho de caracterização foi excelente. Desde os primeiros anos no Vicenza até os finais defendendo o Brescia, a versão cinematográfica do craque convenceu bastante.

Todavia, o esforço para construir um protagonista persuasivo deixou pouca dedicação aos coadjuvantes. Falando dos brasileiros Dunga, Taffarel, Romário, aliás, chega a ser constrangedor ver o quão nada a ver os atores selecionados têm com os originais. Ainda que por poucos segundos.

Tanto é que, em dado momento durante treinamento na Copa do Mundo de 1994, a câmera foca nos pés, e não os rostos de Donadoni, Maldini e Baresi. Obviamente para não arriscar a comparação com jogadores tão icônicos.

Pulando diretamente para o que filme tem de mais positivo, talvez uma virtude solitária seja a reconstrução de camisas, cenários e situações. É realmente impressionante ver até mesmo o tom das cores mudar de acordo com a época apresentada. Como se causasse de propósito um “declínio” na qualidade na imagem, mas que é muito positivo.

No caso da Copa de 94, por exemplo, as imagens reproduziram perfeitamente àquelas do verão pesado dos Estados Unidos, que os brasileiros acompanharam na TV. Já na época da Fiorentina, no início de tudo, foram lembrados e respeitados os uniformes, o escudo e até mesmo os patrocinadores do momento.

Filme Roberto BAggio
Acima, a cena real do pênalti contra a Nigéria. Abaixo, a cena do filme. Detalhe para exibição das mesmas placas de publicidade (Montagem Golazzo)

Muitos podem dizer que era “obrigação” respeitar e reproduzir figurino e cenário originais. Como as produções de guerra fazem com certa tranquilidade. Contudo, o aplauso é merecido.

Por outro lado, o filme não é dos mais emocionantes. Com duração de 60 minutos, praticamente, não há tempo suficiente para “abraçar” os dramas de Baggio, como a lesão ainda jovem, a cirurgia, o apego à religião. Em 30 minutos, a história já avança para o pênalti perdido na Copa do Mundo.

Em meio a tudo isso, as poucas cenas de futebol jogado também não ajudam e constrangem. Há momentos que mais parecem pessoas canhotas chutando com a perna direita.

A aceleração e a rápida passagem pelo drama do icônico pênalti perdido provocam a apresentação do craque que muitos não conheceram (ou não conhecem). No Brasil, deve haver gente que desconhece a Bola de Ouro que o italiano venceu em 1993. Fora o seu excelente aproveitamento batendo pênaltis. Mas, talvez pensando neste público, metade da obra é dedicada ao pós-Copa do Mundo.

A cena imediata após a queda na final do mundial, ainda que com o aviso de “6 anos depois”, e a imagem de Baggio já com cabelos brancos, levam o espectador a entender que ele se aposentou. Sobretudo por mostrá-lo a bordo de um cortador de grama de quatro rodas.

Mas ainda há história a ser contada, e uma excelente: a perseguição do jogador pela convocação para a Copa de 2002. Talvez pela revelação de detalhes pouco (ou nada) conhecidos, essa trajetória, pontuada por cenas ao lado de Luca Toni e Pirlo no Brescia, encerram bem a obra.

Talvez fosse um documentário, a relação de Baggio e seu pai, que é lembrada a cada 5 minutos, fosse mais convincente e tocante. A conexão dos dois é fortemente caracterizada por cobrança e frieza, com diálogos fortes, mas que o cinema já explorou à exaustão.

A subida dos créditos e exibição de imagens reais encerram a produção sem deixar aquela sensação impactante. Contudo, a quem, como eu, adora futebol, é um passatempo divertido e até informativo. Minhas próximas conversas sobre Baggio seguramente serão mais profundas, e tudo por causa do filme.

O jogador é um personagem real 100% merecedor de um filme, como aconteceu, mas é e sempre será difícil produzir algo dentro do mundo do futebol.

Comentários

Comentários